Ontem à noite assisti ao filme Nise, no coração da
loucura. Enquanto via o filme eu refletia muito sobre como nossas
experiências de vida são (ou não) humanizadoras. Sim, como uma boa piagetiana
sei que não somos, unicamente, produto do meio. Mas sei, também, que para
compreender os comportamentos morais ou não dos homens, torna-se necessário
saber a perspectiva ética que eles assumem. Dessa forma, é preciso compreender
que resposta eles darão à pergunta feita pela ética (que vida viver?), para
compreender as formas como agem e desejam ser reconhecidos.
Nesse sentido, Levando em consideração que a perspectiva
ética adotada pelos indivíduos não é formada exclusivamente por questões
psicológicas, eu pensei muito nos aspectos culturais e sociais que compõem os
modos de viver a vida boa almejada pelo plano ético. Para pensar melhor sobre
isso, recorri ao grande Yves de La Taille quando nos leva a pensar que numa
sociedade na o sucesso é tão importante, acaba por convencer seus indivíduos de
que somos acima e para além dos outros. Isso pode levar os sujeitos a um
individualismo exagerado, e, por conseguinte, a pouca experiência em torno da
empatia. Sim, este autor nos leva a entender que os valores difundidos
culturalmente constroem “modelos” de felicidade, e, com isso, penso que as
nossas experiências podem ser sim humanizadoras (ou afastar todas possibilidade
de humanização).
O filme me tocou demais como ser humano e, como não poderia
ser diferente, me tocou como mãe. Pensei em como eu tenho oportunizado meu
pequeno Tomaz a, também, se humanizar e como eu tenho permitido que ele viva
com o outro reconhecendo-o, sentindo-o, respeitando-o, ou seja, o quanto ele é
capaz de ser empático. Sei que já faço muitas coisas na sua educação neste
sentido, mas, sei, também, que ainda há muito a fazer.
Eu quero muito, do fundo do meu coração, que Tomaz seja
capaz de experimentar a empatia, capacidade que eu busco, permanentemente, ao longo
da minha vida. Mas o que seria empatia? Na prática, viver a empatia equivale a,
metaforicamente, “calçar os sapatos” do outro. Para La Taille (2006), este
sentimento caracteriza-se pela capacidade humana de perceber os estados
emotivos alheios, afetando-se emocionalmente por eles. Não basta apenas saber o
que os outros sentem, mas, sim, afetar-se com isso. A empatia, então, funciona
como um “operador emocional”, passível de motivar uma pessoa a preocupar-se com
os outros, tendo uma íntima relação com a moral, notadamente com o altruísmo.
Por isso, eu penso que não podemos abrir mão de educarmos
nossos filhos para empatia. Mais do que educá-los para submissão cega (que
muitos julgam positivamente: esta criança é muito obediente) ou para
“respeitarem os mais velhos”, precisamos educar as crianças para respeitem a
todos (incluindo elas próprias), a fim de que superem comportamentos que
precisam ser combatidos, tais como o preconceito e a violação dos Direitos
Humanos.
Em geral, as variáveis ambientais favorecem o
desenvolvimento da empatia quando o ambiente no qual a criança está imersa é
cooperativo, oferecendo a ela uma variedade de oportunidades para experimentar
e expressar diferentes emoções, satisfazendo as suas necessidades físicas e
emocionais, desestimulando a preocupação excessiva por si mesma (MOTA et al,
2006).
Algumas ações dos pais ou cuidadores contribuem muito para
que a criança possa aprender empatia. Por exemplo, reconhecer o sentimento das
crianças sem banalizá-los ou negá-los, ouvindo e compreendendo as expressões de
mal-estar que ela sente, faz com que a criança se sinta segura, sendo,
portanto, precursor da empatia, uma vez que desperta o interesse da criança por
quem se ocupa dela. Por outro lado, a negação às expressões de mal-estar e
impotência da criança e a rejeição em resposta às suas necessidades
relacionam-se negativamente à empatia infantil, já que promovem a preocupação
autocentrada, ao invés de fortalecerem senso de segurança.
Pensando em como ajudar nossos filhos e filhas a serem mais
empáticos, fiz uma série de reflexões em torno a ações que podem ajudar numa
educação que busca, efetivamente, a formação de filhos empáticos. São elas:
1-
Dirigir a
atenção da criança ao mal-estar do outro em momentos nos quais ela fere ou
magoa, fazendo-a se imaginar em seu lugar;
2-
Favorecer à
criança que foi ferida que possa falar sobre como se sentiu diretamente para a
outra criança que a feriu;
3-
Utilizar
estratégias educativas que não se baseiem em maus tratos, levando sempre a
criança a refletir sobre como seu comportamento afeta os outros. É preciso
pensar em suas ações, pois isso favorece a empatia.
4-
Não fazer
uso de estratégias coercitivas e violentas na educação das crianças, posto que
a coerção e ameaça de punição, com o objetivo de melhorar o comportamento,
podem promover a preocupação voltada para as consequências externas e prejudicar
o comportamento empático. Ainda, o uso de castigo físico repetido parece estar
relacionado a um padrão de comportamento agressivo da criança em suas outras
relações.
5-
Um estudo
desenvolvido por Barnett, Thompson e Pfeifer indica que oferecer à criança
oportunidades para cuidar e ajudar os outros faz com que ela perceba a sua
capacidade para aliviar o mal-estar, inclinando-a a empatizar com os
coleguinhas menos competentes.
6-
A
atribuição de qualidades positivas é outra boa estratégia para promover o
autoconceito pró- social. Desse modo, é importante valorizar as boas ações da
criança, evidenciando o valor em seus comportamentos empáticos.
7-
Estimular
a criança a perceber os outros como semelhantes pode contribuir para o
desenvolvimento e a expressão da empatia. Com isso, devemos valorizar a
diversidade e estimular na criança o reconhecimento de que todos somos
semelhantes.
8-
Pais e
mães empáticos tendem a ser mais responsivos aos sentimentos das crianças, além
de servirem como modelos de comportamento.
9-
Usar
filmes e desenhos infantis para chamar atenção ao que os personagens vivem e
sentem também pode ser uma boa estratégia para que a criança consiga se
inclinar aos estados afetivos alheios.
10- Valorizar mais as pessoas que as coisas;
evidenciar a importância de promover o bem-estar alheio e, ainda, favorecer a
generosidade e a caridade podem ser outras questões importantes.
Certamente
este processo humanizador de nossos filhos precisa, sim, ser um processo
humanizador nosso também. Nunca é tarde lembrar que em matéria de ética só pode
ensinar que possui. Assim, se queremos, realmente, formar filhos empáticos,
deveremos exercitar a nossa empatia para com eles no momento que os educamos e
interagimos com os outros.